segunda-feira, 17 de agosto de 2015

EDITORAS DO BRASIL ANTE A INSTABILIDADE ECONÔMICA - Por Daniel Saks





REAÇÕES DAS EDITORAS 
BRASILEIRAS DE 
QUADRINHOS FRENTE 
AOS CENÁRIOS DE
 INSTABILIDADE ECONÔMICA

Por Daniel Saks,
pesquisador e colecionador.

OBS: Os direitos autorais das
 imagens contidas nessa matéria
pertencem aos seus autores ou representantes
legais. Aqui foram usadas apenas
como mera ilustração.


RESUMO

O presente Artigo analisa algumas das reações das editoras nacionais de revistas em quadrinhos frente aos diversos e crônicos cenários de instabilidade histórica da economia brasileira. São estudadas as alterações dos preços, formatos, número de páginas, acabamento e periodicidade das publicações em quadrinhos seriadas e regulares nas últimas décadas. Quando claro, conveniente e necessário, também são elaborados comentários sobre as mudanças expostas em cada estudo. A análise é realizada por dados obtidos em pesquisas a sites na internet, edições, coleções e informações de profissionais do ramo. Para os eventuais estudos que demandem correções de valores monetários foi utilizada como base de referência a calculadora do site do Banco Central do Brasil citando em cada caso o índice escolhido. Devido à proposta do trabalho só puderam ser estudadas séries contínuas, regulares e preferencialmente longevas, excluindo desta forma séries especiais, publicações independentes e autorais, assim como edições especiais e mini-séries. Também foi evidência analítica necessária o fato de que tais séries sofreram mudanças significativas ao longo de sua trajetória. O atual trabalho tem por objetivo esclarecer o leitor sobre os sacrifícios, as oportunidades, os erros e os acertos das editoras de quadrinhos em suas decisões mercadológicas, através de interpretações dos fatos passados e recentes.

PALAVRAS-CHAVE: quadrinhos; mudanças editoriais; preços




1.      Introdução
O mercado de revistas em quadrinhos no Brasil é instável financeiramente e sofre severa limitação de consumidores, assim são observados comportamentos peculiares. Tanto no Brasil como no exterior o mercado de títulos seriados sofreu redução através das décadas desde a Segunda Guerra Mundial.
Nos Estados Unidos, com a criação do Mercado Direto e em um dos momentos de baixa de vendas e alta criatividade, nas décadas de 1970 e 80, alguns editores optaram por testar lançamentos em formatos e acabamentos gráficos diferenciados tentando atrair novos nichos de consumidores. Desta forma tentaram também manter os então já amadurecidos antigos leitores.

Nas sucessivas crises econômicas, coube aos editores brasileiros buscarem suas saídas para o enxugamento do seu volume anterior de vendas, independente do porte das editoras. Muitas das medidas foram as mesmas estratégias do mercado americano e/ou adaptações.
Entre as medidas editoriais em publicações seriadas, editores e consumidores experimentam ao longo do tempo alteração no preço e estrutura das publicações, além do cancelamento de títulos. Algumas dessas mudanças ocorrem por questões estratégicas buscando aumento do número de consumidores, e também por questões externas inflacionárias como reação aos custos de produção. Mudanças de readequação também ocorrem para evitar a fuga de consumidores, mas estas surgem em reação a questões emergenciais, geralmente exógenas.
De fato é que dado o comodismo característico do mercado editorial, alterações estruturais e de valores das publicações seriadas quase sempre são uma resposta à uma quebra de conforto, quando se faz necessário contornar uma situação de apuros.
A intenção do presente trabalho será apontar e comentar, sob o ponto de vista do consumidor, alguns exemplos de manobras editoriais das principais editoras nacionais com as séries e franquias mais longevas, focando principalmente a partir dos anos 1980.

2.      Conceitos de Mercado
2.1  Elasticidade de Demanda

Os mercados obedecem a lei de oferta e demanda. Cada produto tem um ponto de equilíbrio em quantidades correspondente ao preço do produto. A alteração na demanda de um certo produto de acordo com a variação de preço dele é chamada de elasticidade.
Produtos elásticos tendem a sofrer forte impacto na sua demanda devido ao preço, ao passo que produtos inelásticos mantêm a demanda mais próxima da constância independentemente de alterações do preço, como combustíveis e alimentos.
Revistas em quadrinhos podem ter comportamento elástico peculiar, para colecionadores a elasticidade é menor do que para leitores ocasionais.



2.2  Concorrência Monopolística

Em um mercado perfeito os vendedores competem entre si ofertando seus produtos, similares entre si, aos compradores. Os compradores buscam sempre consumir a maior quantidade, para atender este princípio de saciedade devem buscar o vendedor com o menor preço.
No mercado editorial a competição caracteriza-se por produtos não iguais, porém similares e destinados ao mesmo fim. Dois vendedores terão produtos diferentes entre si, cabendo a escolha excludente ao consumidor não só em função do preço, mas também da preferência, caso não possa comprar os dois produtos. Esta forma de concorrência é chamada de Concorrência Monopolística, característica do mercado de editorial.

2.3  Plano Cruzado



O Brasil vivia uma inflação diagnosticada como inercial. Com o Plano Cruzado em Fevereiro/1986 houve um congelamento forçado de preços, câmbio e salários para combater a inflação que estava na casa dos 15%a.m. Os preços foram tabelados com base no dia de instalação do Plano, que para alguns setores e consumidores representou um barateamento de custos e preços.
Com a popularidade inicial das medidas, o congelamento se tornou uma bandeira do governo, essa situação foi mantida forçada e implicou no médio prazo em graves problemas de abastecimento. Para atenuar a pressão dos preços por demanda o governo também relaxou as medidas de reserva de mercado e barateou a importação de ítens básicos.

2.4  Plano Collor

Em 1989, na eleição presidencial mais democrática da História da República, os brasileiros puderam votar para presidente pela primeira vez após o Regime Militar. Vivia-se no Brasil a inflação descontrolada do final do governo Sarney, que corroia o poder de compra da população.
Logo após tomar posse, o presidente eleito Fernando Collor confiscou a caderneta poupança dos brasileiros numa tentativa de dominar a inflação. Utilizou por princípio a diminuição de dinheiro em circulação. Houve redução da inflação do nível de 85% a.m. para cerca de 20%a.m.
Houve um empobrecimento grave da população e aumento do desemprego, foram derrubadas algumas reservas de mercado e abriu-se espaço para importações. O cenário recessivo e os escândalos de corrupção culminaram no movimento popular que promoveu o impeachment do presidente.

3.      Reações das Editoras Nacionais 
de Quadrinhos às Situações de Mercado


Da redemocratização do Brasil até a estabilização da moeda com o Plano Real houve vários planos econômicos, cinco moedas e uma Unidade Real de Valor. Ao longo das décadas foram várias medidas editoriais tomadas pelos publicadores, serão listadas e comentadas algumas delas diante de cenários econômicos bem significantes, e quando conveniente outras mudanças independentes de alguma crise macroeconômica.

3.1 Editora Abril e Alterações nas Revistas Disney



A revista mais longeva do mercado editorial brasileiro ainda em circulação é o título “O Pato Donald” da editora Abril. Lançado em Julho de 1950 pelo dono e fundador da editora, Victor Civita, a publicação é tida como o marco inicial do atual
império editorial da Abril.
Após os primeiros 21 números mensais ao preço de Cr$3,00, a partir do número 22 em Abril de 1952 a editora converteu o título em semanal e reduziu o formato de 20 x 26cm e 40 páginas para 13,5 x 20,5cm e 36 páginas com preço de Cr$2,00. Dentre muitas, essa foi apenas a primeira alteração editorial promovida na revista em sua trajetória.
A receita se multiplicou com a medida, e foi uma empreitada de sucesso, já que a publicação Disney (novos títulos foram lançados) pela editora foi o alicerce para se erigir a maior empresa editorial do continente. A produção de histórias Disney nos EUA era insuficiente para a demanda brasileira, e a editora montou um estúdio para a produção de quadrinhos Disney no Brasil 
por onde passaram muitos artistas e profissionais.
O número 479 da revista saiu como “Zé Carioca”, foi como nasceu este título. A partir deste número, a cada semana e seguindo a numeração, a revista alterna entre os títulos “Pato Donald” (pares) e “Zé Carioca” (ímpares), sequência que permaneceu até o número 1751, quando os dois títulos seguiram cada um uma numeração regular como revistas quinzenais independentes. 
Nesta época a revista já possuía o formato reduzido 
de 13,5 x 19cm.
Alterações na revista durante o Plano Cruzado (1986)
serão expostas no próximo item.





Em Janeiro de 1990, época de hiperinflação (1000%a.a.), 
a série tinha periodicidade quinzenal e 44 páginas a preço
de capa NCz$7,00, no mês seguinte o título foi convertido para semanal, com 36 páginas e preço de NCz$8,00. O título permaneceu semanal até Agosto de 1992, época de inflação ainda alta (+/-20%a.m.), quando voltou a ser quinzenal.
No segundo semestre de 1999 a Abril (assim como o resto do Mundo a exceção da Itália e países escandinavos) vinha sentindo o efeito contínuo de quedas nas vendas dos quadrinhos Disney. Em uma tentativa de recuperar mercado a editora reduziu o preço das revistas mais antigas (Pato Donald, Zé Carioca e Mickey) de R$2,10 para R$1,00, o número de páginas foi de 68 para 36. Junto com essa medida foi encerrada a redação nacional dos quadrinhos Disney, passando a apenas republicar material nacional e importar material inédito de países europeus.
As revistas permaneceram com essa estrutura e preço até Junho de 2002  quando houve um reajuste de 50% no preço. Em Agosto de 2005 o título passa a ser mensal e comportar 52 páginas por edição, estrutura mantida até a presente data. Nessa mudança o preço foi de R$1,95 para R$2,95.

3.2 Plano Cruzado e o Congelamento de Preços

No mercado de revistas em quadrinhos brasileiro durante o Plano Cruzado os leitores observaram as revistas em formatinho da editora Abril de 84 e 68 páginas serem fixadas aos preços de Cz$8,50 e Cz$6,50 respectivamente. Logo após a instalação do Plano houve um exemplo significativo com a revista Superamigos, que contava originalmente com 132 páginas ao preço de Cz$10,00, sofreu uma redução de tamanho para 84 páginas no número 13 de Maio/1986 ao preço de Cz$8,50; quatro meses depois a revista sofreu redução do preço para Cz$7,50 juntamente com todas as revistas com o mesmo número de páginas da editora até 
o Plano Cruzado completar um ano em Fevereiro/1987.
Dentro do mesmo contexto econômico a revista Pato Donald em Julho/1986 passou de 84 para 44 páginas, a periodicidade que era mensal há um ano voltou a ser quinzenal e o novo 
foi de Cz$4,50.
As reduções do número de páginas representaram uma readequação do preço específico por página e no faturamento da editora Abril, facilmente demonstrado na Tabela 1.

Preço (Cz$)
Páginas
Preço Específico (Cz$/pg)
10,00
132
0,0758
8,50
84
0,1012
7,50
84
0,0893
6,50
68
0,0956
4,50
44
0,1023

Tabela 1 – Preços e Estruturas das Revistas 
Abril no Plano Cruzado (1986).

No caso da revista Superamigos inicialmente a redução de páginas e readequação do preço representou aumento de margem por página na venda da revista, embora a receita final para o mesmo número de consumidores diminuiria. Nessa manobra há um reajuste implícito maior que 30%. Em Setembro do mesmo ano, a editora Abril reduziu o preço das edições de 84 páginas e mesmo assim a margem continuou maior do que com a edição de 132 páginas.
Já na redução praticada na revista Pato Donald além do ganho de preço específico, se tratava de uma série de maior vendagem, e a editora teve maior receita aumentando a periodicidade do título.



3.3 O Pior Terror da Editora D’Arte

A editora D’Arte foi fundada pelo imigrante argentino Rodolfo Zalla em 1967, teve uma primeira curta duração de dois anos. 
A editora retornou em 1981 com o título de terror “Calafrio” e o faroeste “Johnny Peccos”. A revista de faroeste em bom acabamento durou apenas quatro números, a editora sentiu que o formato e temática da revista não caíra ao gosto do público e cancelou-a. No lugar de “Johnny Peccos” a D’Arte lançou uma nova revista de terror, a “Mestres do Terror”. Nesta fase a editora funcionou até meados de 1993, quando encerrou suas atividades e cancelou seus dois títulos. 



Durante os anos 1980 e começo da década de 1990 a editora experimentou todos os dissabores da instabilidade e falta de crescimento da economia brasileira. Foi forçada a realizar fortes reajustes de preços e mudanças no número de páginas das suas publicações. Gonçalo Jr explica que a periodicidade dos títulos também foi bastante prejudicada para atender exigências da distribuidora, chegando ao extremo de “Calafrio” ter apenas uma edição publicada no ano de 1992, ano do impedimento do presidente Collor. 





A proposta de periodicidade mensal das duas revistas quase nunca foi cumprida, mas nos primeiros anos foram lançadas mais edições que nos anos posteriores ao Plano Cruzado (Ver Tabela 2). Os dados da Tabela 2 foram baseados nos anos anotados como copyright das revistas e revistos parcialmente com dados de Gonçalo Jr e do site “Nostalgia do Terror”. Em poucos anos “Mestres do Terror” já havia ultrapassado “Calafrio” na numeração. Os dados de de “Mestres do Terror” na Tabela 2 estão incompletos.

Título
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
Calafrio
1
13
6
4
4
4
2
5
3
3
4
1
2
Mestres do Terror
1
4
8
7
10
3
4
3
3
3
1
3
2
Total
2
17
14
11
14
7
6
8
6
6
5
4
4
Tabela 2 – Periodicidade dos Títulos D’Arte.

Ambas as revistas de terror foram lançadas com 52 páginas em 1981, “Calafrio” ao preço de Cr$120,00 (por três números) e “Mestres do Terror” a Cr$140,00. Dois anos após os lançamentos as duas revistas (então a Cr$160,00) tiveram seus números de páginas alterados, “Mestres do Terror” foi reduzida para 44 páginas ao preço de Cr$220,00 e “Calafrio” aumentada para 68 páginas ao preço de Cr$400,00.
Foi a primeira diferenciação estrutural entre as duas revistas. A primeira edição de “Mestres do Terror” ao preço de Cr$220,00 (número 11) ainda possuia 52 páginas, o número seguinte com o mesmo preço e menos páginas representou um ajuste de 18,2% no preço por página.
Os tempos de inflação alta provocaram reajustes contínuos de preço a cada edição das publicações da D’Arte até o Plano Cruzado (Fev/1986). No período “Mestres do Terror” chegou a ser reduzida a 36 páginas. 



A falta de datas nas edições dificulta análises mais precisas sobre a variação de preços, mas “Mestres do Terror” durante o congelamento de preços do Plano Cruzado estava com 52 páginas a Cz$7,40, mas ainda na vigência do congelamento reduziu seu número de páginas para 44 (inflação implícita de 18% no preço específico). A primeira edição pós liberação dos preços dos dois títulos apresentavam correção maior que 100% (ambas em 1987).
De 1989 a 1993, com os títulos sem qualquer cumprimento de periodicidade, a editora chegava a ter um número com reajuste de preço de capa e específico acima até de 300%, maior que a inflação. Em 1993 o primeiro número de “Calafrio” do ano, e penúltimo da revista, teve correção de 1650% com um ano de diferença entre as duas edições (50 e 51).
Gonçalo Jr ainda cita que as dificuldades financeiras fizeram Zalla perder vários artistas de destaque, reduzir os pagamentos de colaboradores, além de contar com a colaboração de amadores e iniciantes. Tais medidas geraram algumas gratas surpresas, como a revelação de artistas, aumento de páginas de correspondências, as excelentes colunas de Luiz Antônio Sampaio, além do próprio editor criar ele próprio mais histórias para fechar as edições.
Se analisar o total de edições lançadas pela D’Arte na segunda fase da editora na Tabela 2, vê-se uma queda consistente no número de lançamentos por ano, e que culminou no encerramento das atividades da editora. Mais uma evidência que os quadrinhos não são uma indústria sustentável no Brasil.
Como epílogo, o editor Rodolfo Zalla relançou o título “Calafrio” em 2011 em parceria com a editora CLUQ do jornalista Wagner Augusto. Neste relançamento o título ficou com periodicidade trimestral seguindo a numeração original, acabamento luxuoso na capa, 52 páginas, o maior preço do mercado para séries regulares e tiragem ínfima de 300 edições (para um título que nos momentos mais difíceis no passado vendeu cerca de 6.000 edições). A parceria durou 8 edições e a partir do número 60 a editora D’Arte mantém o título sozinha com um suplemento interno chamado de “Mestres do Terror”, totalizando 84 páginas.

3.4 Nova Experiência Marvel da Editora Globo



A editora Globo que seguia com a publicação dos quadrinhos de maior sucesso nas bancas brasileiras, os do estúdio Maurício de Souza, desde 1987, experimentou no começo da década de 1990 um retorno aos quadrinhos seriados Marvel, que havia perdido para a Abril cerca de dez anos antes (quando ainda se chamava Rio Gráfica Editora).
A maior parte foi de mini-séries e especiais da linha Epic Marvel, mas também foi lançada a série “Marvel Force” em Junho de 1991 com razoável divulgação, personagens interessantes de segundo escalão e as edições um pouco mais caras que as da editora Abril. Por seis meses a revista foi publicada com 68 páginas, na sétima edição a editora aumentou o número de páginas para 132.
A revista foi lançada pela Globo num cenário de alta instabilidade política e econômica no Brasil, anos de governo Collor. A inflação da época forçou a editora a reajustar o preço das edições 5 e 6 em 33% e 50% respectivamente, a já citada alteração de estrutura do número 7 aumentou o preço de capa em mais de 100% (de Cr$1.200,00 para Cr$2.600,00), no entanto o reajuste no preço de página foi de somente 11,6%. Nas duas edições seguintes os reajustes foram acima de 25% e a revista foi cancelada no número 9.

3.5 Abril Troca Formatos de Séries em Andamento



Dois exemplos de troca do formato de séries para adequação ao público consumidor ocorreram nas linhas de super-heróis da Abril com os títulos “Teia do Aranha” e “Monstro do Pântano”.
Em 1989 a Abril anunciou nas revistas de linha que um dos personagens mais populares, o Homem-Aranha, teria mais uma série mensal. Nas revistas regulares foi anunciado que seria lançada a nova revista em formato magazine (21 x 27,5cm) e preto e branco, no mesmo molde que a editora publicava o título “A Espada Selvagem de Conan”. Logo após a Abril entrava em contato com os leitores novamente para comunicar que devido a grande quantidade de pedidos a revista seria lançada em cores como aconteceu em Outubro de 1989.
A empreitada durou pouco, após quatro números mensais sem atender o volume de vendas esperado pela editora, o quinto número foi lançado em formatinho padrão, como a maior parte das séries regulares de quadrinhos da Abril.


Em Janeiro de 1990 foi lançada em formatinho a revista “Monstro do Pântano”. Nesse período houve um esforço da Abril em apresentar novas propostas de quadrinhos mais maduros para os leitores, e “Monstro do Pântano” continuava a aclamada fase do personagem título escrita por Alan Moore. Essa manobra editorial era encabeçada pelo editor Marcel Plasse.



Até o oitavo número a revista permaneceu em formatinho, a Abril entendeu que as histórias apresentadas no título eram mais atraentes ao público maduro, que não a comprava por ser publicada em formatinho. A editora tentou atrair o público maduro sofisticando a revista e alterando o formato para o padrão americano (17 x 26cm). A revista durou mais onze números e encerrou no número 19 concluindo a fase de Alan Moore e ainda apresentou as primeiras histórias do título americano “Hellblazer”.

3.6 Mudanças na Circo



A editora Circo do editor Toninho Mendes se especializou em publicar os refinados quadrinhos de humor paulistano de autores como Angeli, Glauco, Luiz Gê, Laerte, entre outros. “Geraldão” de Glauco teve duas séries, “Chiclete com Banana” encabeçada por Angeli foi a série de maior sucesso (chegou à tiragem de 100.000 exemplares), Laerte e Luiz Gê publicavam na revista que dava nome à editora.
Os personagens de Laerte ainda capitanearam duas séries, “Piratas do Tietê” com 14 números, e posteriormente “Striptiras” que durou 15 números.
“Piratas do Tietê” inovou no formato apresentando na edição de lançamento em Maio de 1990 capa cartonada, formato horizontal e menor (26 x 17cm) que as demais revistas da editora (21 x 27cm). No sétimo número da revista o formato passou a ser o padrão magazine da editora e com menos páginas, em Dezembro de 1990.
Com bastante transparência há um texto explicativo no editorial da edição 7 falando sobre a situação econômica do país, e explicando a mudança de formato em função da inflação e ajustes de mercado.

3.7 Tabela de Preços da Abril



Em tempos de inflação alta e correção diária de preços, muitas vezes as edições tinham seu preço desatualizado, ou as editoras recorriam a etiquetas adesivas com o novo preço colado sobreposto ao preço originalmente impresso na capa da revista.
A editora Abril inovou no segundo semestre de 1992 criando um sistema de códigos de acordo com o tamanho da revista. Assim a revista que ficava exposta em bancas por cerca de um mês era precificada por um código que era atualizado quinzenalmente pela editora, que enviava a tabela com os preços correspondentes a cada código para os pontos de venda.
Essa situação também forçava os consumidores a comprar as revistas o mais próximo do lançamento para evitar as correções durante todo o tempo que o exemplar ficasse exposto no ponto de venda.
Mesmo com a correção periódica sendo praticada, vários títulos não vendiam o suficiente, pois durante essa prática de correção quinzenal a editora necessitou reduzir drasticamente o número de páginas de várias das suas revistas da linha super-heróis de 84 páginas para 52, para reduzir o preço final para os consumidores.
Na revista do Pato Donald, durante a vigência do código de preços, a revista também sofreu mudanças. O título era semanal e tinha 36 páginas, no sexto mês do sistema (Abril de 1993) de tabela a revista foi aumentada passou para quinzenal com 68, devido à diferença de páginas o código foi alterado. Mais alguns números, e com o mesmo tamanho, as revistas experimentaram mais dois códigos diferentes.  
Após a estabilização da economia com o Plano Real, as revistas que não foram canceladas no período em que se praticou a tabela de preços voltaram a ter o número de páginas aumentado para o original.

3.8 Distribuição Setorizada

As revistas em quadrinhos em geral traziam a informação de um ágio no preço de capa devido ao frete aéreo para cidades no norte do país. Era a forma da distribuidora cobrar o preço diferenciado que compensava o maior custo de transporte do consumidor final.
Em 2000 a editora Abril inovou o formato das suas linhas de super-heróis lançando a linha Premium. Eram almanaques luxuosos de 164 páginas, com acabamento especial, formato americano e sete edições americanas originais compiladas por volume.
No campo da distribuição das revistas Premium a editora Abril setorizou o serviço. Inicialmente lançaria as revistas na região Sudeste e posteriormente (dois meses depois) levaria os encalhes para outras regiões do país. Foi a forma que a editora encontrou de diminuir os encalhes de suas publicações, diminuindo assim o seu custo operacional.
A Abril cancelou a distribuição setorizada quando começou a concorrer com a editora Panini que em 2002 começou a publicar os quadrinhos Marvel. A estratégia não deu certo e a Abril desistiu de publicar super-heróis DC, como será exposto no próximo item.
A distribuição setorizada veio para ficar. Basicamente todas as editoras de quadrinhos maduros praticam a setorização dos seus lançamentos e com as tiragens cada vez menores. O fato do mercado de quadrinhos ser mais forte em uma determinada região é apenas uma confirmação da desigualdade econômica e cultural regional no Brasil, não é exclusiva para o mercado editorial.
Se a distribuição setorizada é encarada pelas editoras como uma solução, vale ressaltar que é apenas uma forma de se trabalhar em um cenário econômico frágil e distorcido. É uma modalidade que deve ser eliminada com a equalização estrutural das regiões.





3.9 Linha Premium e Planeta DC


Em 2000 a Editora Abril reformulou sua linha de super heróis da Marvel e DC lançando a já comentada linha Premium, com revistas vendidas ao preço de R$9,90. A Abril sentia queda nas vendas das revistas de linha e buscou com o formato Premium atrair leitores maduros, e os que no passado deixaram o hábito de consumir quadrinhos de super-heróis. Dentro do formato Premium (duas revistas da DC e três da Marvel) a Abril publicou as principais franquias de cada uma das licenciadoras americanas.
Em 2001 houve  um desacordo comercial entre a Abril com a licenciadora da Marvel (Panini) causou um rompimento na relação entre as duas empresas, e consequente interrupção da publicação Marvel pela Abril.
Em Janeiro de 2002 a Panini como nova editora começou a publicar os quadrinhos Marvel no Brasil, e a Abril intensificou a publicação de quadrinhos da DC (menos populares que os da Marvel). Por um breve período, como não acontecia há cerca de 20 anos, o público brasileiro assistiu uma concorrência entre os publicadores das principais marcas de super-heróis no Brasil.
As vendas da Panini foram melhores pelo gosto do consumidor em geral. A redação DC da Abril sofria duas pressões, uma pelas vendas mais baixas e a segunda pelo próprio desinteresse da editora em manter publicações de tiragens baixas para seu padrão.
Revertendo a decisão de sofisticar suas publicações, em Maio de 2002, a Abril cancelou a linha Premium e lançou cinco títulos DC quinzenais de 52 páginas em formatinho ao preço de R$2,50. Foi a chamada linha Planeta DC. Na relação custo x benefício os leitores foram prejudicados na qualidade das publicações e quantidade de histórias. A iniciativa não durou, após cinco edições a Abril anunciou o fim da publicação de super-heróis.
A editora ainda voltou aos quadrinhos DC que reproduziam os personagens e enredos característicos dos desenhos animados da televisão. Sob a forma de publicações inconstantes a Abril publica até hoje essa modalidade.



3.10 Troca de Papel e Formato da Panini

Em 2001 a editora Abril e a licenciadora italiana da Panini entraram em desacordo comercial devido ao mercado de figurinhas. A Panini licenciava a marca Marvel para países fora da América do Norte, e utilizando a estrutura editorial da editora Mythos formou uma divisão brasileira, passando a publicar os quadrinhos Marvel em Janeiro de 2002.
Foram lançados seis títulos, os cinco princípais ao preço de R$6,90 com cem páginas em papel couche, formato maior (19 x 27,5cm) e capa plastificada (a partir dos segundos números as capas eram cartonadas). Os títulos tiveram aceitação razoável e a Panini passou a traçar sua estratégia para expandir seus títulos.
Em Agosto de 2002 a Panini lança novos títulos e mini-séries com formato menor denominado “econômico” (15 x 24,5cm comumente praticado pela Mythos), menos páginas, papel Pisa Brite (inferior) e preço de R$2,90 na tentativa de popularizar a diversidade editorial da Marvel apresentada no exterior.
A Panini passou a publicar quadrinhos DC que a editora Abril desistiu de editar. Com o mesmo formato maior das edições Marvel em Novembro de 2002 a Panini lançou três títulos DC.
A diversidade de qualidade e formatos da Panini era um incômodo para os leitores e colecionadores. Em Agosto de 2003 a editora pressionada pelos leitores e pela alta de preços do início da gestão do PT na presidência da República decidiu uniformizar seus títulos de super-heróis com o papel Pisa Brite e no formato padrão americano (17 x 26cm), deixando o preço de capa das edições mais baixo.
A editora desta forma eliminou os demais formatos para séries regulares, estrutura que mantém até hoje. No entanto para lançamentos especiais foram mantidos inicialmente (à data da mudança) os formatos econômicos e magazine, atualmente porém a editora prioriza para tais lançamentos encadernados em capas cartonadas ou em capa dura.

4.      CONCLUSÃO

Observando as numerosas alterações editoriais das publicadoras de quadrinhos no Brasil é possível concluir que nunca houve uma situação de conforto no mercado editorial, afinal tais mudanças se mostraram constantes. Aos leitores e colecionadores coube se adequarem e exercer escolhas de compra nos momentos de crise e encarecimento das edições nos pontos de vendas.
Em vista de que os publicadores cada vez mais buscam atender nichos de preferências e as tiragens estão muito aquém do que se praticou décadas atrás, pode-se concluir que nenhuma das medidas tomadas foi eficaz na manutenção do público consumidor. Mesmo que o número de lançamentos esteja maior atualmente.

5.      REFERÊNCIAS

FURTADO, M. B., 
da Economia Brasileira. Rio de Janeiro: LTC, 1988;

SILVA JR, G., Calafrio, Coleção Ópera Brasil #11. 
São Paulo: Ópera Gráfica Editora, 2002;




3 comentários:

  1. Dan, parabéns! Esta matéria está espetacular. É incrível como vc realizou uma pesquisa minúsciosa e provou que, de fato, o mercado de HQs não é
    sustentável. E a coisa piorou nos últimos anos, com tiragens ínfimas e preços exorbitantes, que acabaram espantando os antigos leitores dos pontos de vendas.
    Pelo que tudo indica, do ponto de vista da sustentabilidade, o setor vai de mal a pior e, de fato, tende a sucumbir, um dia, especialmente em virtude da tecnologia que oferece uma infinidade de quadrinhos on line a preços acessíveis. Valeu, gde guru! Gde mano amplexo, cowboy!

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  2. Sempre muito esclarecedoras as publicações do blogue!

    Que tenhamos uma folga neste sentido, com menos coleções concomitantes, feito a Salvat com 2 + 1 Del prado + 1 Planeta DeAgostini, fora os especiais Panini, Mythos e afins... espaço há, só não dá pra lançar tudo de uma tacada só e por todas as editores ao mesmo tempo, aí os poucos compradores que são únicos interessados no material ficam no perrengue, desta ou daquela 'coleção' ... aí se culpa exclusivamente o mercado!

    Mais eventos, com Feiras de HQs com preços bacana ajudam sempre, e não só no trecho sul-sudeste, como ocorre principalmente, muita gente lendo neste Brasilzão inteiro.

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  3. Valeu, Wilsão, por suas ótimas observações, como sempre. Grato, pela visita e pelos comentários. Concordo plenamente contigo, esses editores estão malucos. Soltam uma porrada de edições simultaneamente a preços q são um roubo e depois querem vender bem... aí a coisa fica difícil, impossível!

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