quarta-feira, 14 de novembro de 2012

HOMENAGEM AO GRANDE MESTRE EDMUNDO RODRIGUES!


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HOMENAGEM PÓSTUMA A TODOS OS MESTRES
DOS QUADRINHOS QUE SUCUMBIRAM EM 2012
E EM ESPECIAL PARA DOIS GRANDES BRASILEIROS!

O ano de 2012 está quase chegando ao fim. Enquanto a Europa e boa parte do mundo, sentia na pele os efeitos da crise financeira mundial e o Brasil se destacava como uma das economias menos abalada pela tal crise, o mundo dos quadrinhos perdia pessoas geniais, de muito talento.
A matéria a seguir é uma homenagem póstuma a esses fantásticos criadores que tanto contribuíram para o desenvolvimento do setor editorial e, especialmente do segmento de revistas de histórias em quadrinhos, nas mais diversas partes do mundo e, em especial, para dois brasileiros notáveis que também ouviram o som das trombetas e acabaram embarcando nesse “trem” que viaja entre nuvens e entre os anjos rumo ao prometido Paraíso celestial. O primeiro grande mestre brasileiro que quero reverenciar é...


Edmundo Rodrigues (1935 \ 2012)
Confesso que fiquei chocado, quando soube que no último dia 10 de
setembro, morreu, aos 77 anos, Manuel Edmundo Botelho
Rodrigues, mais conhecido como Edmundo Rodrigues.
Na década de 60, conheci pela primeira vez o belo traço
 desse artista e passei a admirá-lo. Eu era apenas
um adolescente metido a desenhista que sonhava
em publicar um dia, como ele, Nico Rosso,
 Rodolfo Zalla, Colonese, Ignácio Justo, Jayme Cortez,
Gedeone, Luchetti, Marcos e Dolores Maldonado,
Minami Keizi, José Lanzelotti, e tantos outros
que eu tanto admirava e ainda respeito.
Creio que os deuses das artes foram generosos comigo,
 pois ao longo de minha carreira tive o prazer de
conhecer e até conviver com alguns desses
 verdadeiros monstros sagrados da arte seqüencial brasileira.
Edmundo Rodrigues foi um dos meus desenhistas
 preferidos, comprei muitas revistas desenhadas
por ele e cheguei até a copiar seus desenhos.


 O PRIMEIRO ENCONTRO
Década de 70. Eu trabalhava numa imobiliária da avenida
Angélica, quando vi um anúncio numa revista da Miname e
Cunha Editores, que procurava por novos talentos.
Não tive dúvida e decidi correr atrás do meu sonho
: me tornar um autor de HQs. Fui bater na porta da
editora que ficava no bairro do Cambuci em São
Paulo, apresentando dez páginas de
uma HQ de terror feita por mim.
Nesse glorioso dia, trombei, por acaso com um
dos meus ídolos, o próprio Edmundo Rodrigues,
 em carne e osso, que estava confabulando com
Minami Keizi e Carlos da Cunha. Mal pude acreditar
que aquilo estava acontecendo. Tive o prazer de
apertar a mão dele e só não tive coragem de
 pedir um autógrafo por mera timidez.
Mostrei os rabiscos toscos para que os editores
avaliassem o trabalho e para o meu espanto o
 próprio Edmundo começou a analisar meus traços
e em seguida começou a apontar as falhas.
Confesso que fiquei puto, com o meu ex-ídolo, visto que
ele simplesmente detonou minhas páginas
 na frente dos editores, que acabaram concordando
 com ele, quanto as tais falhas técnicas anatômicas, etc.
Devo ter ficado vermelho que nem
 um pimentão, puto nas calças.



Por fim, meu ex-ídolo recomendou que eu comprasse
 um livro que ele tinha feito e que fora editado pela Ediouro,
sobre desenho e anatomia. Com um sorriso amarelo,
concordei, mas no fundo eu estava era xingando
 aquele cara, por sua atitude. Por que ele
 não tinha me chamado num canto, pra me esculachar?,pensei.
Aquele dia, decepcionante, eu tinha ido visitar os
editores com um amigo – Vanderley Felipe, que
 também tinha pretensões de fazer HQs. Assim que
deixamos a editora eu disse pro meu amigo de
 peregrinação editorial: “Cara, vou comprar o livro
 desse cara! Se eu achar um erro ele vai ver só...
 sou capaz de trazer o livro aqui na editora e dar
 um espôrro nele, na frente dos editores.
Como ele fez comigo... puta sacanagem.”
Com o passar do tempo aprendi a controlar meus
impulsos e hoje sei que quando se é jovem a gente
sempre acha que sabe de tudo. Ledo engano (rsss...).
Eu estava ciente de que meu trabalho não estava lá
essas coisas – apesar de eu na época já ter
feito vários cursos artísticos -, que precisava
 melhorar muito... mas aquele cara, precisava
fazer aquilo na frente dos editores?
Fiquei inconformado.
 Era certo que eu não era ainda um desenhista
 de quadrinhos, na acepção da palavra, mas, apesar
 de não saber fazer a coisa certa, estava acostumado
a ler e ver HQs americanas e, portanto, sabia
 distinguir um bom de um mau desenho.


Comprei o livro feito pelo Edmundo e, pasmem, encontrei uma
porrada de erros. Alguns esboços simplesmente nada tinham
a ver com o mesmo trabalho artefinalizado. Anotei esses
 erros com uma caneta vermelha e toda a vez que eu ia
lá naquela editora leva o livro numa pasta,a te o dia em
que encontrei novamente meu ex-ídolo na editora.
Ao deu outra, abri o livro e mostrei para ele e para os
 editores os erros que eu havia encontrado.
 E disse, audaciosamente:
- Como você, um profissional, me manda comprar
um livro que ensina arte, cheio de erros?
O cara ficou sem graça,principalmente quando os
editores apanharam o livro e após observarem minhas
 anotações concordaram comigo, dizendo:
- Edmundo, o garoto tem razão...
Como todo idiota, lancei um olhar e um sorriso
 vingativo para ele, que argumentou que aqueles
 erros apontados estavam no livro, mas que não
 tinham sido feitos por ele. Alegou que alguém,
na gráfica, devia ter alterado seus traços.
O Felipe deve se lembrar bem dessa passagem cheia
de infantilidade vingativa da minha parte,
pois ele estava junto, nesse dia.
Por fim, para apaziguar a situação idiota criada por
mim, os editores – talvez até para se livra de mim e do
 meu parceiro -, nos encaminhou para a casa de outra
 fera do traço, o desenhista Ignácio
Justo – consagrado autor de histórias de guerra,
 que na época promovia debates na TV visando a
nacionalização dos quadrinhos e também desenhava
 para a Minami e Cunha Editores uma série
escrita por Gedeone Malagola: A Múmia.


Nunca mais vi Edmundo Rodrigues e confesso que
me arrependi de ter agido daquela forma.
Apesar de tudo, aquelas observações feitas por ele
 sobre o meu trabalho me foram úteis, pois gradativamente
 procurei melhorar o meu traço e minhas figuras, agora
sob a orientação do mestre Justo, que ministrava
aulas gratuitamente para vários jovens que
ficaram conhecidos como: A Turma do Barraco do Justo.
Alguém já disse: O mundo dá voltas.



O SEGUNDO ENCONTRO
Só fui rever Edmundo Rodigues, dez anos depois, quando eu e o Paulo Hamasaki fomos ao Rio de Janeiro, para fazermos a série Os Trapalhões, em quadrinhos, e o diretor de arte da Bloch era o meu desafeto: Edmundo Rodrigues.
Então eu disse pro Hama: “Que ironia, esse cara me esculhambou na década passada na frente de uns editores, só faltou dizer que meu desenho era uma merda, e agora me chama para trabalhar...
Aposto que nem se lembra mais de mim...
Na realidade, ele não me chamou. Ele convidou o Hamasaki, por este ter
desenhado Mônica e Cebolinha – personagens do Mauríco, que faziam
e ainda fazem sucesso. Por sua vez, o Hama me convidou para
 participar da empreitada.
O Hamasaki, que era mais velho e experiente, me disse:
- Para com isso, Tony... vai ver que seu trabalho estava ruim mesmo...
Decidi ficar na minha.
Passamos o final de semana na casa do Shima. Na segunda-feira o
]Shima me levou de carro até a sede da Bloch onde eu teria que
fazer um teste de desenhos – fazer as caricaturas dos peroangens
da série Os Trapalhões -, e ter uma reunião com o Edmundo
e o pessoal daquela grande editora, enquanto o Hama
 voltava para São Paulo, nas primeiras horas do dia.
Meu teste foi aprovado. Os Trapalhões agora iam ser
feitos por mim (o lápis) e pelo Hamsaki (a arte final).
Fiquei excitado, não resisti, olhei para o Edmundo e perguntei:
- Você se lembra de mim?
O Shima nada entendeu.


O diretor da divisão de quadrinhos da Bloch
olhou para mim e disse sorrindo:
- Claro... O reconheci assim que o vi. São Paulo. Minami e
Cunha Editores. Faz um tempão, né? Falei aquilo
para o seu bem. Percebi que você tinha
talento, faltava lapidar, meu jovem...
Concordei e demos boas gargalhadas.
A partir daquele dia passei a admirar ainda mais
aquele homem, aquele grande artista e
 percebi o quanto eu tinha sido imaturo.
Voltou a ser um dos meus grandes ídolos das HQs nacionais.




ESSE FOI O CARA!
Edmundo Rodrigues foi um dos mais talentosos
roteiristas, desenhistas e editores de histórias em quadrinhos
do Brasil. Ele nasceu no Estado do Pará, no dia 10 de Janeiro de  
1935. Permaneceu em seu estado de origem até os cinco
anos de idade, quando sua família decidiu mudar para
o Rio de Janeiro, que na época era a capital do Brasil.
A cidade de Brasília, a Capital Federal, ainda não existia.
Edmundo Rodrigues fez vários cursos de artes, inclusive
 o conceituado curso de Comics por correspondência da famosa
 Inter Continental School.
Na cidade do Rio de Janeiro.
Iniciou sua carreira, aos 14 anos, na revista O Tico-Tico,
 com a série humorística chamada João Charuto.
Desenhou, também para a revista O Sesinho,
a série Lendas Brasileirase colaborou
com a revista Vida Juvenil, Antar - uma versão de Tarzan-,
para a Editormex, e foi um dos desenhistas da série de faroeste chamada: O Vingador, que era lançada pela editora Outubro.
Em 1954, Edmundo foi contratado para trabalhar na  
Rio Gráfica Editora, onde desenhou diversas revistas,
mas acabou ganhando notoriedade ao desenhar Jerônimo,
 o herói do sertão, que durou
62 edições mensais e mais algumas edições
especiais em forma de almanaques.
Em 1967, mudou-se para São Paulo, a maior cidade
da América Latina, onde se concentrava a maioria das
editoras do país. Morou no bairro sofisticado do
Jardim da Aclimação e assim passou a trabalhar para
diversas editoras da capital paulista, como Gep,
Minami e Cunha, Luzeiro, GEP (Gráfica e Editora 
Penteado), Taika, O Livreiro, etc.
Em 1974, o genial artista voltou a morar na cidade
de São Sebastião do Rio de Janeiro, no aprazível e
elegante bairro do Leme – onde viveu até desencarnar -
e aceitou o convite de Moisés Weltman para codirigir
o recém-criado departamento de histórias em quadrinhos
 da Bloch. Sua missão principal era: relançar os falidos
quadrinhos da Marvel no Brasil, cujas vendas haviam
 despencado na EBAL e suas tiragens não
 atingiam mais 30 mil exemplares.
Em menos de dois anos, as revistas da Marvel, 
lançadas pela Bloch, também sucumbiram e logo
 todos os títulos Made in America foram adquiridos
por dois outras poderosas editoras:
a Rio Gráfica e a Abril.


Mesmo após perder os direitos de lançar os quadrinhos
 americanos de super-heróis Edmundo Rodrigues
 decidiu manter o departamento de HQs da Bloch ativo.
Assim, passou a produzir e editar histórias e títulos
nacionais, algumas desenhadas por grandes nomes
dos quadrinhos brasileiros. Ofeliano,
Eugênio Colonnese, Homobono 


 A trajetória de um grande artista
A partir de 1959, Edmundo Rodrigues ficou famoso por todo o país por desenhar Jerônimo, o Herói do Sertão, personagem criado pelo escritor Moyses Weltman para uma novela radiofônica de uma emissora carioca, que se tornou muito popular. Tanto que, uma emissora paulista copiou a fórmula e lançou outro western\rural chamado: Juvêncio, o herói do sertão, que também devido ao sucesso viros quadrinhos lançado pela editora Prelúdio (Atual Luzeiro). Devido ao tremendo sucesso alcançado no rádio, as aventuras de Jerônimo foram lançadas pela Rio Gráfico e Editora (atual Globo). Esse cowboy\sertanejo, que fazia justiça pelo sertão sempre ao lado do irriquieto Moleque Saci, também fez um tremendo sucesso durante anos, coisa rara em se tratando de uma HQ nacional.
Tempos depois, a série foi adaptada para novela na TV.




O eclético Edmundo Rodrigues, que era dono de um traço marcante, cheio de ação, também desenhou outras séries, como: o Falcão Negro – para a editora Garimar, de Péricles Leal-, um herói de capa\espada que se originou num programa de televisão. O talentoso artista também colaborou para a revista Calafrio, para a editora do mestre desenhista e também editor Rodolfo Zalla, escrevendo e desenhando histórias de terror, ilustrou para o formato de quadrinhos clássicos da literatura universal, como: 20 mil Léguas Submarinas,



O Guarani, Moby Dick, etc, e criou diversos personagens
para histórias avulsas, escreveu e ilustrou livros que
 ensinavam a arte e técnica do desenho e ilustrou
 uma série de livros para crianças. Também criou  
O Máscara de Prata, um caubói mascarado e
 diversas HQs avulsas de terror guerra e de terror.
Sua criação feminina mais marcante foi Irina, a Bruxa, que se tornou um clássico dos quadrinhos de terror do país. Irina foi publicada originalmente em 1967 pela editora Taíka. Nos anos 80, a editora Bloch republicou Irina em cores. Foi também nessa década que Edmundo Rodrigues se tornou editor de quadrinhos da saudosa Bloch Editores.



Por essa editora carioca, ele ressuscitou os até então falidos super-heróis Marvel, que após terem sido publicados inicialmente pela Editora Brasil-América, do editor Adolfo Aizen, saíram de circulação por um bom tempo.







Edmundo também abriu espaço para os atores nacionais. Júlio Shimamoto, nessa época, fazia a Múmia, Flávio Colin, o Lobisomem, Paulo Hamasaki e eu, Tony Fernandes, fazíamos os gibis dos Trapalhões e Trapasuat – séries baseadas no sucesso alcançado por Didi (Renato Aragão), Dedé, Muçum e Zacarias, os geniais comediantes da TV. Outros bambas do traço também colaboraram com a Bloch, como: Baldisseri, Ofeliano, Colonnese, Homobono, Toninho Lima, Bira Dantas, Mingo e Queiroz – estes três últimos, através do Estúdio Ely Barbosa continuaram a fazer Os Trapalhões.







O mestre Eduardo Vetillo desenhava Spectreman –
série em quadrinhos de longa duração baseada
 num seriado de muito sucesso da TV japonesa,
que foi exibida no Brasil. Diversos títulos e
 gêneros foram lançados pela Bloch, quando
 Edmundo Rodrigues estava no
comando, como o clássico Drácula – da Marvel -
desenhado magistralmente pelo mestre Gene
Colan e Mestre Kim. Há quem afirme que
as cores dos quadrinhos desse período eram
berrantes e que os super-heróis americanos da
Marvel usavam muitas gírias locais da época,
mas a verdade é que aqueles gibis coloridos
em formatinhos da Bloch deixaram saudades.
Naquele tempo remoto não faltava
 trabalho, ao menos para nós.


Naquela época, eu e o velho bengala friend Paulo Hamasaki trabalhávamos na editora Noblet. Creio que, por indicação do Shima, Paulo Hamasaki – velho amigo do Shima, e que também já era famoso por ter começado a trabalhar com o Maurício de Sousa -, foi convidado pelo Edmundo para dar continuidade na série os Trapalhões, que era feita pelo Baldisseri, se não me engano. Devido a absoluta falta de tempo - por comandar o dia todo o departamento de arte na Noblet-, o Hamasaki me convidou para fazermos em parceria a série Os Trapalhões. Aquela era uma proposta irrecusável para um jovem que sonhava em fazer quadrinhos, sair da Noblet e montar meu próprio estúdio. Topei.Assim, eu fazia os desenhos a lápis e o Hama artefinalizava os originais, que eram desenhados no formato A-3. Os roteiros e os pagamentos chegavam em minhas mãos, vindos do Rio, pelo malote da famosa Casa da Manchete, que ficava na rua Groenlândia, na zona sul de São Paulo. 



Voltando ao fio da meada...
Surgiu o convite. Empolgado, topei. Assim, viajamos para o Rio de Janeiro, numa sexta-feira, após o expediente da Noblet. Chegando lá, fomos para a casa do mestre Shimamoto – que eu já tinha conhecido um dia na Noblet. O mestre morava em Jacarepaguá. Júlio Shimamoto, naquela época, estava a milhão, colaborando com a Bloch - fazendo a Múmia-, e com a Grafipar - fazendo HQs eróticas. Acampamos na casa do Shima, pois na segunda feira tínhamos agendado uma reunião na editora carioca, onde fiz um teste – orientado pelo Shima - para fazermos os trapalhões, que foi aprovado – enquanto o Hama voltava para São Paulo.
DETALHE: Foi nessa viagem que tivemos o prazer de conhecer o Otta – lendário editor da Vecchi, da revista Mad – e Watson Portela, nosso querido magrão, que também estava colaborando com a Vechi e com a Grafipar, de Curitiba. Bons tempos aqueles em que todos tinham muito o que fazer.
Como eu já disse trabalhávamos o dia todo para cuidar das revistas da Noblet (Akim, Carabina Slim, Gidapp Joe, Vampirella, Prézinho, Godofredo, Mister No, Hot Girls, Contos Excitantes e mais duas coleções de pocket books de histórias eróticas. Para segurar essa barra, contávamos com a escritora e grande mana amiga Eugênia Cecília Brasiliense, Militelo, Toninho Duarte e o querido bengala brother Fausto kataoka.


O BICHO PEGOU!
Quando os primeiros roteiros chegaram começou a loucura.Eu deixava a Noblet às pressas – por hábito, só tomávamos umas brejas geladas, e umas quentes, nas sextas depois do expediente. Sexta-feira era fatal os nossos happy hours, afinal ninguém era de ferro. Duro era fazer nossas esposas entenderem essas farras (Rsss...). Eu chegava em casa – depois de cruzar a cidade-, tomava um banho, jantava e ia para a prancheta até as 4 da manhã, diariamente, pois o Hamasaki estava ansioso para fazer as artes finais. Muitas vezes fomos obrigados a tocar as páginas nos finais de semana e até no estúdio da própria Noblet, quando tínhamos chance. Ou seja, quando o nosso editor – Joseph Abourbih -, saia para almoçar. Obviamente não íamos agüentar aquela louca empreitada por muito tempo. Na verdade, só fizemos uma edição dos Trapalhões e outra da série Trapasuat – com os mesmo personagens da TV. Por sorte, as cores eram feitas no Rio de Janeiro, pela competente equipe interna da Bloch. Dois meses depois, estávamos só o pó da rabiola, sonados, feito baratas tontas e, como conseqüência, começamos a furar os prazos de entrega.



Vira e mexe tocava os telefones da Noblet. Era o pessoal da Bloch cobrando o material. Além de ter que dar desculpas esfarrapadas corríamos o risco de perdermos nossos empregos. Por fim, desistimos. Ou melhor, o pessoal da Bloch desistiu da gente e acabou contratando o Estúdio Ely Barbosa para continuar as séries que havíamos dado início, essa é que é a verdade.
Pra ser sincero, perdemos o trabalho por pura incompetência e por falta de infraestrutura de produção. Na verdade estávamos malucos, queríamos abraçar o mundo. Pois, além de fazer a semana toda as revistas da Noblet, colaborávamos para a Grafipar e decidimos segurar a Bloch.
Mesmo sendo ágeis para executar os trabalhos não há organismos que possam resistir a um ritmo aloprado desses de produção. Sem contar que éramos casados, tínhamos filhos e diversas atribulações familiares.
Confesso que fiquei feliz quando vi Os Trapalhões nas bancas com os desenhos da competente turma do Estúdio Ely Barbosa- com o qual colaborei anos depois fazendo personagens Hanna-Barbera, como: A Formiga Atômica e Trapaleão . Apesar de perdermos o faturamento tiramos um peso imenso das costas e voltamos a dormir em paz. Como diz um velho ditado popular: “Quem tudo quer nada tem.” Aprendi a lição.
Nos anos 90, eu e o velho amigo Wanderley Felipe fundamos o estúdio Felipe e Fernandes, que era apenas uma pequena sala no quinto andar, em cima do saudoso e extinto Bar do Jeca – ponto de artistas em geral -, bem na esquina das famosas avenida São João e Avenida Ipiranga, de frente ao tradicional Bar Bhrama, que ainda existe. Na época, atendíamos diversas editoras, como: Ninja, Acti-Vita, e o Laboratório Catarinense. Certo dia o telefone do vizinho tocou – não tínhamos nem telefone, é mole? A secretária do vizinho que editava revistas de artes marciais veio me chamar.
Ao atender fiquei surpreso. Era Edmundo Rodrigues me convidando para colaborar com a revista Angélica – título baseado na famosa apresentadora atual da TV Globo, que na época fazia programas infantis. O Ed me disse que gostava do meu texto e do meu traço e me pediu para fazer algumas páginas pra revista Angélica com personagens infantis. Disse para ele que não tínhamos nenhum personagem infantil. Ele me disse: Conheço Capitão (Buana) Savana, Jerônimo Dias, o bandeirante, Águia Azarada, o Inspetor Pereira... são criações suas, não são? Você é criativo! Se vira!
Pensei... Mas essas séries que criei no passado – todas foram publicadas nas revistas da Noblet - não eram infantis. Eram cômicas. Esse cara é maluco. Não me acho tão criativo assim.
Comentei com o meu sócio e de imediato comecei a pensar em algum roteiro infantil bem humorado. A primeira série que criei foi Os Tortugas, uma família de tartarugas que satirizava a sociedade contemporânea, onde o pai, um publicitário, que vivia criando campanhas para um super-herói de seriado de TV chamado Capitão Maionese, que ele odiava, tinha que suportar o filho que admirava o personagem fictício e que vivia decepcionado com seu progenitor que – ao contrário do herói da TV- era todo atrapalhado. A família era composta pelo pai (Zuza), pela mãe, pela filha (Tania) e pelo irriquieto garoto chamado (Tim). Algumas vezes entravam em cena o avô e os vizinhos, que vira e mexe eram atormentados pelo capetinha da família – o Tim. O Felipe criou as figuras, eu escrevia os roteiros. Assim que os originais ficaram prontos enviamos eles para o Rio. O Edmundo adorou e na sequencia encomendou outra série. Sugeriu que criássemos uma bruxinha. Empolgado, mandei ver e passei a escrever essa nova personagem, que confesso que nem me lembro mais o nome dela. Mandamos o novo material e o Ed aprovou também.
Assim, passamos a fazer duas séries mensais infantis para a revista Angélica durante alguns meses.
Só paramos de produzí-las quando decidimos abrir nossa editora a Phenix Editorial Ltda, em 1991.
Mesmo assim, de vez em quando, eu me comunicava com o Ed, por telefone. Fiquei sabendo que fazia free lances e ilustrava livros infantis, por que um dia me perguntou, quanto se pagava por página uma ilustração infantil as editoras paulistas.
Os anos se passaram e só voltei a contactar com o mestre Edmundo o ano passado no Orkut, uma única vez. Há pouco tempo atrás, eu sonhava - e até tentei - entrevistá-lo para um dos meus blogs, pois sabia que ele tinha boas histórias para contar. Porém, há alguns dias atrás descobri no Facebook que ele já não estava mais entre nós, lamentavelmente.


2012 - UM ANO DE
GRANDES PERDAS
O grande mestre Edmundo Rodrigues, faleceu no dia 10 de Setembro de 2012, e a causa de sua morte não foi divulgada. Esse não tem sido um bom ano para os fãs de quadrinhos.
Perdemos: Jean "Moebius" Giraud, Joe Kubert, Sergio Toppi, Josep María Berenguer, Mauro Martinez dos Prazeres, Sheldon Moldoff, John Severin, Tony de Zuñiga, Al Rio e Ernie Chan. No cenário nacional perdemos mais dois importantes guerreiros: o desenhista e editor Edmundo Rodrigues e o escritor e editor...
NAUMIM AIZEN

Ele morreu no dia 20 de julho, aos 72 anos (completaria 73 em 16 de outubro desse ano fatídico), e só recentemente a notícia foi divulgada. Segundo consta, ele estava numa situação econômica difícil. Viveu seus últimos dias num asilo mantido pela comunidade judaica carioca. Teve um final lamentável para quem fez muito em prol do mercado editorial brasileiro ao lado de seu pai o saudoso Adolfo Aizen (Editora Brasil-América), seu irmão Paulo Adolfo e Fernando Albagli. Naumim foi um dos dirigentes da Editora Brasil-América, a saudosa Ebal, que, por vários anos, publicou no Brasil os melhores quadrinhos europeus, norte-americanos e nacionais, como O Judoka e a Coleção Maravilhosa.
As publicações da Ebal dominaram as bancas por muito tempo – de 1960 até 1991. Esta saudosa editora continua sendo, para muitos leitores e colecionadores, a mais querida de todas, graças ao carinho que a família Aizen sempre dedicou aos fãs das histórias em quadrinhos.
Com a morte de Adolfo Aizen, em 10 de maio de 1991, a editora passou apenas a trabalhar com seu parque gráfico imprimindo para terceiros. Naumim Aizen assumiu uma empresa que estava cheia de problemas financeiros, que estava com seus dias contados. Com o fechamento da Ebal, Naumim teve que assumir as dívidas. Além de perder todos os seus bens, viu seu casamento e sua saúde desmoronar.
Sempre enalteceu o trabalho de seu pai. Escreveu livros infantis, como o premiado Era uma vez duas avós, e publicou matérias sobre quadrinhos em diversos livros, como em Shazam, de Álvaro de Moya, onde escreveu sobre onomatopéias – os sons das HQs.
Os mestres, depois de uma árdua batalha, se vão para o merecido retiro dos deuses, mas seus legados ficam para todo o sempre.

Ainda falando sobre Edmundo Rodrigues...
Com a falência da Bloch, em 1993, Edmundo passou a viver de free lance. Trabalhou para diversas editoras fazendo capas de livros infantis e juvenis e até storyboards e conceptboards para agências de publicidade. Jamais voltou aos quadrinhos.
Ele manteve um blog, no qual contava suas memórias e era ativo no Facebook, onde respondia gentilmente as perguntas que faziam seus fãs.
No ano 2.00, ele ainda desenhou para a Rio Gráfica: Cidade Aberta, uma versão em quadrinhos de um dos primeiros seriados produzidos pela TV Globo no Rio de Janeiro. Este foi um de seus últimos trabalhos.




O grande mestre Edmundo Rodrigues, durante sua longa carreira, foi prolífico. Poduziu milhares de páginas dos mais diversos gêneros. O setor editorial brasileiro perdeu um de seus grandes baluartes, dono de um impactante e inesquecível traço, que marcou eternamente aqueles que adoram as boas histórias quadrinhos.
Mestre Edmundo, Mestre Naumim, valeu!
Obrigado por tudo aquilo que fizeram em prol do setor editorial brasileiro!
Descansem em paz! Que assim seja!
Excelsior, como escreveria Stan Lee!

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